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Número de negros eleitos na Bahia aumentou 28% este ano

O Dia da Consciência Negra, nesta sexta-feira, 20 de novembro, vem junto com uma notícia a ser comemorada por todos que lutam para reduzir a desigualdade racial no país: este ano, aumentou o número de eleitos autodeclarados pretos na Bahia. De acordo com dados do Tribunal Superior Eleitoral(TSE), o número de eleitos no pleito de novembro aumentou 28%, passando de 536 em 2016 para 687 este ano.

Entre os prefeitos que se declararam pretos na Bahia, o número dobrou, subindo de 12 no pleito municipal de quatro anos atrás para 24 nesta eleição.

E não só isso: as eleições municipais de 2020 entrarão para a história também com o maior índice de candidatos autodeclarado pretos. Na capital, pela primeira vez, três candidatos negros concorreram à prefeitura, a petista Major Denice Santiago, Pastor Sargento Isidório (Avante) e Olívia Santana, do PCdoB.

Em 2016, foram 536 eleitos em todo o estado que se declararam pretos, dos quais 12 prefeitos, 25 vice-prefeitos e 499 vereadores. Este ano, foram 687 eleitos que informaram a raça preta, dos quais 24 prefeitos, 33 vice-prefeitos e 630 vereadores.

A data da Consciência Negra foi estabelecida pelo Movimento Negro Unificado (MNU), em 1978, para lembrar o dia da morte do líder quilombola Zubim de Palmares. Em 2003, a Lei nº 10.639, promulgada no então governo petista de Luiz Inácio Lula da Silva, instituiu nacionalmente o 20 de novembro como o dia Dia da Consciência Negra.

“Candidaturas como a minha representa a resistência. A necessidade de pessoas como eu de existir em um pleito que é marcado pela desigualdade. As desigualdades que marcam a sociedade perpassam o processo eleitoral. Mas mesmo sabendo que é assim, nós temos o dever de disputar, de se apresentar, e foi o que fiz. Eu faria tudo novamente, candidaturas como a minha reeducam o imaginário coletivo sobre negras e negros”, comentou Olívia Santana, que disputou a prefeitura de Salvador.

“O primeiro turno das eleições municipais deste ano se encerrou anunciando um 2021 um pouco mais diverso e representativo nas casas legislativas.”, pontuou Marta Rodrigues, vereadora eleita para o segundo mandato na Câmara Municipal de Salvador pelo PT. “Este resultado ainda não é satisfatório, obviamente, pois somos maioria da população no país. Mas é importante que esse pequeno avanço tenha ocorrido, fruto do fato do debate ter vindo para a centralidade com muita força, graças aos movimentos negro e sociais”, acrescentou.

A vereadora mais votada de Salvador, Ireuda Silva, dos Republicanos, é negra. Para ela, existe ainda uma sub-representação na política baiana: “A impressão que temos é que a sub-representação continua, apesar de alguns avanços. Diante da baixa representatividade que sempre tivemos, era difícil esperar que tivéssemos uma mudança significativa. Mas, se me permite falar, eu, uma mulher negra, ter sido a mais votada de Salvador, demonstra que existe uma demanda por uma maior diversificação nos quadros representativos”, disse.

“A discussão da questão racial se tornou incontornável na eleição deste ano, apesar da candidatura do prefeito [ACM Neto] não levar isso em consideração. Impossível discutir Salvador sem discutir a cor de Salvador. Política é acúmulo. Não se pode esquecer o caráter estruturante do racismo e não podemos subestimá-lo”, afirmou Sílvio Humberto (PSB), vereador reeleito na capital para o segundo mandato.

Entre as novidades na Câmara Municipal de Salvador também está o mandato coletivo do "Pretas por Salvador", do PSOL. Formada por Laina Crisóstomo, Cleide Coutinho e Gleide Davis, a candidatura somou 3.635 votos nas urnas soteropolitanas no último domingo, 15.

Interior

Cinco candidatos a prefeito autodeclarados pretos conquistaram a vitória nas urnas em 2016 e 2020 no interior do estado: Jeová Nunes (PSB), em São José da Vitória; Fábio Lago Sul (PP), em Seabra; Jair Santos (PSD), em Sítio do Quinto; Antonio de Anizio (PT), em Itacaré; e Thiancle (PSD), em Castro Alves.

“Eu acho que toda política afirmativa, de defesa da raça negra, é importante, porque há uma valorização de pessoas afrodescendentes em posição de candidatos ou ocupando cargos públicos. Isto traz um sentimento para comunidade negra de que é possível ocupar os espaços, há uma valorização da autoestima de todos.”, pontuou o prefeito de Castro Alves, Thiancle Araujo.

Avanços e recuos

Ativistas do movimento negro e especialistas discutiram os resultados do pleito municipal deste ano para a população negra. Embora reconheçam vitórias, a maioria afirma que ainda há muito que avançar.

Para a pesquisadora da UFBA e ativista antirracista, Bruna Rocha, candidatos negros eleitos representa uma “tensão no sistema político”.

“Visto que viemos de um racismo estrutural histórico no Brasil, só o fato de corpos negros estarem ocupando espaços já representa uma tensão no sistema político. Toda liderança negra, comprometida com a luta antirrascista que é eleita, representa uma tensão, uma fissura do status quo brasileiro, que um status quo branco, racista e conservador.”, pontuou.

“Esta eleição demonstrou mais uma vez que o anti-racismo dos partidos atuantes em Salvador, dos mais conservadores aos mais progressistas, não é real, é faz de conta porque o principal fator para se ganhar uma eleição é dinheiro.” , afirmou Alane Reis, ativista do Odara - Instituto da Mulher Negra. “Tivemos lideranças negras extremamente populares, que no dia a dia de seus movimentos mobilizam multidões, tendo dificuldade de recurso para botar gasolina no carro pra ir fazer campanha. Essa é a realidade das candidaturas negras”, assinalou.

“Essa eleição foi vitoriosa no sentido de mobilização política dos segmentos de luta contra o racismo. Construímos várias candidaturas com a pauta antirracista. Apesar de ter sido uma eleição histórica, por ter tantas candidaturas representativas, temos um cenário em Salvador, uma capital negra, que elegeu um prefeito branco, que se reivindica pardo, essa é uma grande contradição. É preciso compreender a estratégia da branquitude de querer ocupar os espaços se passando por nós, negros e negras.”, sublinhou Samira Soares, militante do MNU.

Fundação Palmares

O presidente da Fundação Cultural Palmares, Sérgio Camargo, indicação do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tem provocado polêmica desde os primeiros dias no cargo. Negro e declaradamente conservador, Sérgio tem atuado contra pautas consideradas caras ao movimento negro e à esquerda. Recentemente, ele anunciou a exclusão de todos os artistas vivos da lista de personalidades notáveis negras da Fundação, como Elza Soares, Gilberto Gil e Conceição Evaristo. No lugar, propôs incluir policiais e militares “que se destacaram por seus feitos de natureza heróico/patriótica”.

“Não me surpreende a atitude de Sérgio. O governo [Bolsonaro] tem uma energia da desconstrução, ele está aí para desconstruir. A Fundação Palmares é só mais uma. A política externa brasileira foi apequenada, o Ministério da Saúde tem um ministro que não é um especialista da área, entre outros tantos. Estamos diante de um daqueles que tem a escravidão mental em sua cabeça, que é o presidente da Fundação Palmares. Mas ele vai passar, nossas coisas vão ser respostas. Por mais que eles não contem nossa história, nós falaremos de Palmares de novo.”, disse o vereador Silvio Humberto.

Para a vereadora petista Marta Rodrigues, a atitude do presidente da Fundação Palmares representa um “desvio de atenção”.

“O que Sérgio Camargo quer, mais uma vez, é chamar atenção da população com os descalabros de sua gestão e de suas atitudes, desviando de certa forma nosso olhar para o que de fato vai nos impactar: a retirada de verba do orçamento voltado para as políticas públicas de combate ao racismo, o enfraquecimento do que foi construído nos governos do PT. No entanto, não podemos deixar passar despercebido esses posicionamentos, partindo da presidência de um órgão como a Palmares que foi fruto da resistência e da luta do movimento negro no País”, falou.

“Na disputa de narrativas, nós, movimentos negros organizados e aliados, quebramos o mito da democracia racial, as ações afirmativas é uma realidade constitucional e o que os setores conservadores fazem com isso? Eles se apropriam de nossas imagens, de nossos corpos, as vezes até de nossos discursos mas usam a favor de seus interesses, que invariavelmente é contra nós. É isso que Sérgio Camargo faz, se aliam as estruturas conservadoras racistas pra benefício pessoal e fragilização da população negra como um todo. Não acredito na hipótese que ele e outros negros que cumprem esse papel são alienados, eles são é desleais, possuem falhas de caráter. Não é possível ser preto como ele na sociedade brasileira e não saber o que é o racismo.”, explicou a ativista Alane Reis.

“O nosso país foi forjado no mito da democracia racial. isto significa que existe um discurso, que a própria branquitude construiu, de que somos iguais. Mas o que agente consegue perceber na história é a marginalização do povo negro. A gente não vive algo diferente hoje. Quandoa gente vê uma figura como o próprio Sérgio Camargo, que nega sua negritude, que desconstrói o discurso do MNU, e que luta contra si mesmo, é justamente porque a branquitude o escolheu para exercer esse papel, para dizer que não existe o racismo no Brasil.”, declarou a militante do MNU, Samira Soares.

 

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